sábado, abril 12, 2008

Carne de Cão


Vou falar-vos de um dos meus escritores actuais preferidos - Pedro Juan Gutiérrez - e do seu livro "Carne de Cão".
Com um estilo cruamente chocante, e impressivamente realista, este escritor cubano num registo marcadamente auto-biográfico dá-nos a conhecer a realidade da sua vida em La Habana Vieja, palco principal do desenfreado desenrolar da sua vida diária. Personagem que, reflecte frontalmente na sua vida a complexidade sentimental que pugna dentro de si, complexidade essa, que colide com a natureza dura mas simples dos caminhos que se tomam.
Na característica sociedade cubana, tal como ela se encontra ao fim de décadas de controlo e repressão governamental, a ilha de Fidel Castro e o calor caribeño servem de rastilho e inspiração para os devaneios de uma alma brutalmente sensível!
Com uma linguagem acutilante mas também marcadamente oral, com uma bestialidade sincera, choca o leitor com a natureza das palavras que solta nesses diálogos, que tão bem entrecruza com reflexões pessoais e íntimas. Conquanto a linguagem que usa, a sua escrita e o seu pensamento expresso naquelas palavras, apresentam uma profundidade e fluidez raras de encontrar, muito menos em romances deste género. E é nessa brutalidade (sincera e frontal) aliada à omnipresente conflitualidade paradoxal, que discorre a cada palavra, dando-nos a sensação de terem sido elas marcadas com o mesmo sangue que jorra sem parar do constante tumulto interior, que se encontra a sua originalidade e genialidade!
Página a página, aqueles de nós que são menos impressionáveis e que no fundo até gostamos de ser, se bem que de vez em quando, confrontados com a grosseria da realidade, vamos-nos prendendo ao sonho e desilusão, à esperança e desengano, que abundam numa vida toda de experiência e sensação. Um escritor que não é para todos, mas que vale definitivamente a pena experimentar!
Quando o leio, sinto-me, outra vez, a percorrer ao crepúsculo as vidas que desfilam com naturalidade, recortadas, na tranquila e sublime beleza daquela baía... Fecho os olhos e sinto o calor e a humidade que me confortavam, sinto todo aquela fragrância de alegria e sensualidade que emanava de cada corpo quente, e perco-me calmamente no turbilhão do pensamento.

Deixo-vos um pequeno excerto:

"Sentia dentro de mim um odioso cocktail de violência, agressividade, lúxuria, necessidade de álcool. Mas também sentia que o meu coração endurecia. Cada dia mais e mais. era o que eu queria: ter um coração de pedra. Se amolecesse não conseguiria cortar o mal pela raiz. Tinha de cortar o podre todo. Limpar com desinfectante. cicatrizar. e continuar em frente. Preferivelmente com um sorriso nos lábios. Sem amarguras em relação ao que apodreceu, cortei e atirei aos cães. Não sabia se o conseguiria.
A lúxuria e o álcool tinha feito muitos estragos no meu interior. demasiados estragos. todas as minhas melhores recordações eram de mulheres nuas em cima da cama. E sexo. Muito sexo. O descalabro total. Precisava de concentrar a minha energia em algo mais perdurável. era uma questão de vida ou de morte.
Outro dos meus problemas, nessa altura, consistia em conseguir transformar tudo em literatura: o mais doloroso, a podridão, o lado obscuro e miserável da vida. Ia ficando tudo para trás. Nada era duradouro. queimava-se tudo à minha volta como se só houvesse restolho seco.
Pensei que a solução viria por si mesma se o meu impulso sexual se dissolvesse com a velhice. então conseguiria neutralizar esse desejo cego e retirar-me para qualquer lado, para o campo, com duas ou três vacas. Ordenhá-las ao amanhecer e cultivar uma horta. Apenas isso. O mesmo que fazia na quinta da minha avó quando era criança. recordo-me muito bem dos pormenores daquele tempo, nos anos 50, antes de começar o caos e a diáspora. Havia silêncio, solidão, árvores, pássaros. E poucas visitas. quase ninguém. Era um mundo muito pequeno. apenas um quilómetro em redor mais ou menos. Isso simplificava as coisas. Agora é tudo vertiginoso. o mundo é gigantesco e caótico. Impossível de abarcar."

1 comentário:

Anónimo disse...

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