Queria deixar-vos aqui, um pequeno excerto de um livro que ando a ler de José Eduardo Agualusa, intitulado "As Mulheres do Meu Pai" . Este livro deste escritor português nascido em Angola, ajudou a cimentar a boa opinião que tenho da sua qualidade literária e a espicaçar o interesse que o seu estilo muito especial de escrita, coadjuvado por uma descrição ao mesmo tempo tão realista como imaginativa, que já tinha adquirido com "O Vendedor de Passados".
Este novo livro, conta-nos a história de quatro improváveis companheiros numa busca de um outro passado, o passado de Faustino Manso, um músico boémio que "amava demasiado as mulheres". Aconselho vivamente a sua leitura!
"Esta madrugada assisti a um crime.
Passo as noites na carrinha. Não tanto para poupar dinheiro, mas simplesmente porque me desagrada a ideia de pagar, por pouco que seja, pelo duvidoso prazer de me estirar numa cama pública a fingir que durmo. Incomoda-me ainda mais a possibilidade de efectivamente cair no sono, e sonhar os restos dos sonhos que alguém deixou para trás. Os colchões das camas de hotéis, sobretudo de hotéis baratos, acumulam no geral resíduos de sonhos rápidos, mal sonhados, não sendo de excluir a possibilidade de se contrair um ou outro pesadelo tresmalhado. conhecem promiscuidade maior do que sonhar um sonho em segunda mão?
Eu, que tenho sido tão promíscuo, odeio a promiscuidade.
Não há nisto nada de extraordinário, vendo bem. São raros os fumadores que amam os cigarros, e os defendem, e se mostram dispostos a morrer por eles com o mesmo entusiasmo, digamos, com que um homem-bomba sacrifica a vida pelo santo nome de Alá e do seu profeta.
Prefiro, pois, passar as noites na minha Malembe. Deito o banco para trás e olho as estrelas. Estaciono ora nas traseiras do hotel ora na praia, eventualmente nalgum desvão mais sossegado. Em toda a parte tenho assistido a cenas estranhas ou, no mínimo, moralmente pouco edificantes. O diabo - como gostavam de lembrar os meus professores no seminário - aprecia as sombras. Há duas noites um carro parou diante de mim. Uma mulher, ainda jovem, com um vestido preto, de malha, conduzia a viatura. Ao seu lado estava um homem alto e distinto, cabelo grisalho, alvo fato de linho. Não me viram. A mulher puxou o vestido pela cabeça e ficou inteiramente nua. Abriu a porta do carro, saiu e estendeu-se na areia. O homem saiu também. Não se despiu. Simplesmente deitou-se, em silêncio, ao lado da mulher. Ficaram assim, sem um movimento, a olhar a Lua, que estava nessa noite muito redonda e luminosa. Depois a mulher voltou a entrar no carro, vestiu-se, e foi-se embora. O homem continuou deitado durante muito tempo. Finalmente também se levantou. Caminhou em lentos passos na direcção do mar até que deixei de o ver, engolido pela escuridão e pelo manso rumor das ondas."
segunda-feira, novembro 19, 2007
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