Ainda no âmbito do tema relacionamento entre Direito e moral, e a sua aplicação ao caso do aborto, respondendo a um comentário de P.A., gostaria de acrescentar outras considerações.
Nunca desconsiderei as diferenças entre Direito e moral, antes pelo contrário, distingui expressamente os pontos em que os dois campos se separam, mas também aquilo que os une intrinsecamente. Com efeito, se os dois incidem sobre a ordenação correcta das relações sociais (ou a têm como fim), é no seu âmbito ou extensão que se distinguem. Pois o Direito basta-se com a realização do justo objectivo, enquanto que a moral pressupões a realização do justo absoluto, entendido por sua vez no cerne do individualismo e da consciência humana livre. Assim uma conduta imoral, pode ser considerada moralmente reprovável, mas não constituir crime, tal como um crime pode não constituir em si uma atitude contrária às normas da moral (pois já a violação abstracta de qualquer norma, pode e deve ser entendida como a violação do dever moral, que a todos se impõe, de respeito pelos preceitos normativos, violação essa que só se justifica quando necessária à preservação da própria consciência moral – Daí S. Tomás de Aquino ter afirmado, a legitima pretensão dos cidadãos em derrubar um sistema globalmente injusto, desobedecendo aos seus comandos contrários à justiça ou à moral). Desta forma, e sendo o estado o detentor em exclusivo do poder punitivo, evitando as vendettas populares, só empresta o poder coactivo e punitivo, sendo este inserido nas normas pelas sanções correspondentes à infracção do comando legal, às normas penais e ao direito em geral, deixando de lado a moral srito sensu que não pode ser imposta pela força, e pressupõe um arbítrio livre do destinatário dos seus comandos. O direito satisfaz-se com a obtenção da justiça objectiva e concreta, com o bem-estar social e o desenvolvimento da sociedade, a qual serve, enquanto que a moral visa em última análise a obtenção da felicidade dos Homens, nas suas relações inter-subjectivas e também bem-estar pessoal.
Contudo a influência da moral no Direito não pode ser posta de lado, aliás muitas das normas e princípios do Direito e do direito penal em particular, só se compreendem face ao ordenamento da moral. Por exemplo a criminalização da prostituição, é em si devida em grande medida à repulsa da moral social dominante por essa actividade, pois o bem jurídico que se pretenderia proteger – a liberdade de disposição sexual do próprio corpo – é muitas vezes, e na grande maioria dos casos, livremente disposto pelas mulheres que exercem essa actividade. Não vou agora discutir o tema da criminalização desta actividade, porque daria “pano para mangas”, remetendo-a para outra altura. Outro exemplo, encontramo-lo no princípio da culpabilização no direito penal. Segundo este princípio um acto, só pode dar origem à obrigação do cumprimento de uma pena, se a conduta do agente for em si mesma reprovável. Ora esta reprovação, constitui não só um juízo de valor ético-social da conduta do agente, como a adequação da sua acção na medida da sua liberdade de conformação ou não, com os comandos imperativos da ordem júridica, relevando para efeitos de desculpabilização a sua situação concreta e as condicionantes relevantes da decisão (que se materializou numa actuação ou omissão criminalizada). Aqui se vê a relevância da moral para o Direito, sendo especialmente considerada para efeitos de imputação de culpa (exemplo dos inimputáveis, que independentemente da criminalidade objectiva da sua conduta, não podem ser culpados pela mesma, pois não agiram consciente e livremente), decretação de medidas de segurança derivadas de estados de perigosidade, distinção entre dolo e negligência, etc.…
A imperatividade das normas, e a própria necessidade da sua observância, é muitas vezes reforçada pelo carácter imoral dos comportamentos proibidos, e desta forma um sistema jurídico que se pretenda eficaz, não se pode desligar de um mínimo moral que tem de proteger, sob pena de as suas normas serem globalmente violadas por constituírem apenas preceitos formais, destituídos de qualquer valor material ou axiológico. A função de prevenção geral das normas penais, ficaria assim comprometida, pois a justificação da sua consagração em preceitos penais seria incompreendida; assim como a função de prevenção especial da pena, seria empobrecida, pois o condenado para se reabilitar socialmente precisa de ser convencido do porquê do desvalor do seu comportamento.
Era esta vertente que queria importar para o debate sobre o aborto, acentuando a imoralidade do acto de abortar, para dessa forma complementar a justificação, da razão da criminalização de tal acto na lei penal portuguesa. Com isso, não queria de forma alguma descuidar a vertente principal deste debate, vertente essa que deve residir naturalmente na necessidade impositiva de proteger o bem jurídico supremo, que é a vida, como referiu P.A..
Este bem, de tal forma é essencial para o desenvolvimento humano e para a dignidade que é ínsita na sua qualidade, que a sua derrogação por qualquer lei é inadmissível. Tal como, a retirada da sua protecção penal, por parte do Estado, não pode ser admitida pelas consequências, que terá no aumento da inobservância do respeito pela vida intra-uterina que a norma impunha, e que derivava não só da própria moral, mas também no valor absoluto que tal direito tem de possuir numa sociedade dita democrática e de direito. O respeito pela vida humana, sob qualquer forma, é primeiramente um dever da moral, mas identicamente um dever de respeito pelo outro, pela sua própria liberdade (e aí falham redondamente os argumentos da liberdade das mulheres, e outras bacoradas que tais, pois a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade do outro, e sem este respeito mínimo não há liberdade mas sim domínio, de uns sobre os outros) e direito ao desenvolvimento da sua personalidade, dever aliás constitucionalmente protegido no nº1, do artigo 24º, sob a epígrafe “Direito à vida” da Constituição da República Portuguesa: “A vida Humana é inviolável.” Mas mesmo que não o estivesse, tal direito, deriva da própria natureza humana e é portanto anterior e independente face ao poder constituinte dos Estados, impondo-se a qualquer estado, e a qualquer pessoa de direito, sendo um princípio fundamental de direito natural que a todos se impõe na obtenção da justiça e do bem social e comum. È intangível, inderrogável e intrínseco a todos os seres humanos, simplesmente pelo simples facto, de o serem...
Nunca desconsiderei as diferenças entre Direito e moral, antes pelo contrário, distingui expressamente os pontos em que os dois campos se separam, mas também aquilo que os une intrinsecamente. Com efeito, se os dois incidem sobre a ordenação correcta das relações sociais (ou a têm como fim), é no seu âmbito ou extensão que se distinguem. Pois o Direito basta-se com a realização do justo objectivo, enquanto que a moral pressupões a realização do justo absoluto, entendido por sua vez no cerne do individualismo e da consciência humana livre. Assim uma conduta imoral, pode ser considerada moralmente reprovável, mas não constituir crime, tal como um crime pode não constituir em si uma atitude contrária às normas da moral (pois já a violação abstracta de qualquer norma, pode e deve ser entendida como a violação do dever moral, que a todos se impõe, de respeito pelos preceitos normativos, violação essa que só se justifica quando necessária à preservação da própria consciência moral – Daí S. Tomás de Aquino ter afirmado, a legitima pretensão dos cidadãos em derrubar um sistema globalmente injusto, desobedecendo aos seus comandos contrários à justiça ou à moral). Desta forma, e sendo o estado o detentor em exclusivo do poder punitivo, evitando as vendettas populares, só empresta o poder coactivo e punitivo, sendo este inserido nas normas pelas sanções correspondentes à infracção do comando legal, às normas penais e ao direito em geral, deixando de lado a moral srito sensu que não pode ser imposta pela força, e pressupõe um arbítrio livre do destinatário dos seus comandos. O direito satisfaz-se com a obtenção da justiça objectiva e concreta, com o bem-estar social e o desenvolvimento da sociedade, a qual serve, enquanto que a moral visa em última análise a obtenção da felicidade dos Homens, nas suas relações inter-subjectivas e também bem-estar pessoal.
Contudo a influência da moral no Direito não pode ser posta de lado, aliás muitas das normas e princípios do Direito e do direito penal em particular, só se compreendem face ao ordenamento da moral. Por exemplo a criminalização da prostituição, é em si devida em grande medida à repulsa da moral social dominante por essa actividade, pois o bem jurídico que se pretenderia proteger – a liberdade de disposição sexual do próprio corpo – é muitas vezes, e na grande maioria dos casos, livremente disposto pelas mulheres que exercem essa actividade. Não vou agora discutir o tema da criminalização desta actividade, porque daria “pano para mangas”, remetendo-a para outra altura. Outro exemplo, encontramo-lo no princípio da culpabilização no direito penal. Segundo este princípio um acto, só pode dar origem à obrigação do cumprimento de uma pena, se a conduta do agente for em si mesma reprovável. Ora esta reprovação, constitui não só um juízo de valor ético-social da conduta do agente, como a adequação da sua acção na medida da sua liberdade de conformação ou não, com os comandos imperativos da ordem júridica, relevando para efeitos de desculpabilização a sua situação concreta e as condicionantes relevantes da decisão (que se materializou numa actuação ou omissão criminalizada). Aqui se vê a relevância da moral para o Direito, sendo especialmente considerada para efeitos de imputação de culpa (exemplo dos inimputáveis, que independentemente da criminalidade objectiva da sua conduta, não podem ser culpados pela mesma, pois não agiram consciente e livremente), decretação de medidas de segurança derivadas de estados de perigosidade, distinção entre dolo e negligência, etc.…
A imperatividade das normas, e a própria necessidade da sua observância, é muitas vezes reforçada pelo carácter imoral dos comportamentos proibidos, e desta forma um sistema jurídico que se pretenda eficaz, não se pode desligar de um mínimo moral que tem de proteger, sob pena de as suas normas serem globalmente violadas por constituírem apenas preceitos formais, destituídos de qualquer valor material ou axiológico. A função de prevenção geral das normas penais, ficaria assim comprometida, pois a justificação da sua consagração em preceitos penais seria incompreendida; assim como a função de prevenção especial da pena, seria empobrecida, pois o condenado para se reabilitar socialmente precisa de ser convencido do porquê do desvalor do seu comportamento.
Era esta vertente que queria importar para o debate sobre o aborto, acentuando a imoralidade do acto de abortar, para dessa forma complementar a justificação, da razão da criminalização de tal acto na lei penal portuguesa. Com isso, não queria de forma alguma descuidar a vertente principal deste debate, vertente essa que deve residir naturalmente na necessidade impositiva de proteger o bem jurídico supremo, que é a vida, como referiu P.A..
Este bem, de tal forma é essencial para o desenvolvimento humano e para a dignidade que é ínsita na sua qualidade, que a sua derrogação por qualquer lei é inadmissível. Tal como, a retirada da sua protecção penal, por parte do Estado, não pode ser admitida pelas consequências, que terá no aumento da inobservância do respeito pela vida intra-uterina que a norma impunha, e que derivava não só da própria moral, mas também no valor absoluto que tal direito tem de possuir numa sociedade dita democrática e de direito. O respeito pela vida humana, sob qualquer forma, é primeiramente um dever da moral, mas identicamente um dever de respeito pelo outro, pela sua própria liberdade (e aí falham redondamente os argumentos da liberdade das mulheres, e outras bacoradas que tais, pois a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade do outro, e sem este respeito mínimo não há liberdade mas sim domínio, de uns sobre os outros) e direito ao desenvolvimento da sua personalidade, dever aliás constitucionalmente protegido no nº1, do artigo 24º, sob a epígrafe “Direito à vida” da Constituição da República Portuguesa: “A vida Humana é inviolável.” Mas mesmo que não o estivesse, tal direito, deriva da própria natureza humana e é portanto anterior e independente face ao poder constituinte dos Estados, impondo-se a qualquer estado, e a qualquer pessoa de direito, sendo um princípio fundamental de direito natural que a todos se impõe na obtenção da justiça e do bem social e comum. È intangível, inderrogável e intrínseco a todos os seres humanos, simplesmente pelo simples facto, de o serem...
2 comentários:
O que pensas já agora da exclusão de ilicitude da IVG nos casos em que se determine que o feto virá a sofrer de doença grave ou malformação congénita, ou ainda em que a gravidez tenha sido causada por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual?
Sendo que consideras "intangível, inderrogável e intrínseco a todos os seres humanos (o direito à vida), simplesmente pelo simples facto, de o serem...", não estarão também estes incluídos no mesmo grupo?
Porque as ditas Associações Pró-Vida e movimentos cívicos afins que a todo o momento surgem por aí nunca se entregaram a esta causa?...
Já agora, ainda relativamente ao tema, e em jeito de piada (que o assunto até pode ser sério, mas este teu blog está a ficar muito pesado lol) aconselho a todos a verem uma perspectiva diferente e curiosa apresentada por um dos movimentos cívicos pelo "não". Trata-se de um movimento que acima de tudo é contra a discriminação, sendo que a população cívica que o constitui é naturalmente composta por uma grande maioria de imigrantes (sim, esses que tu tanto adoras...). E que discriminação vêm eles negativa na despenalização do aborto? O facto de ser proposto até às 24 semanas... "então e aqueles que já têm 24 semanas e 1 dia???? não podem???? que país este tão atrasado onde viemos parar...".
Achei que a seriedade e a dignidade do assunto que tocaste, mereciam um post e não uma simples resposta aqui, pois as questões que levantaste necessitam de uma resposta clara e firme, para todas aquelas pessoas que se interrogam como tu.
Quanto à seriedade excessiva deste blog, lamento que assim penses, mas estes assuntos são tão importantes que não podem ser deixados passar ao lado, mas sendo este um blog diverso certamente verás posts sobre outros assuntos ditos “mais leves”, no futuro. E claro, estamos sempre atentos às tuas propostas….
Quanto ao facto de mencionares a designação IVG (interrupção voluntária da gravidez), e não aborto, isso é sintomático da falsidade da forma como o debate é apresentado aos portugueses. E tratarei disso noutro post, tal como a tua acusação aos grupos pelos não, que pelo que tenho visto são constituídos por pessoas muito mais dignas, capazes e inteligentes, de que os grupos do sim, aliás a maior parte deles partidarizado (o que é uma anedota, senão um grave atentado contra a importância apoliticamente necessária, para debater este assunto que interfere não com direitos políticos, mas com o que de mais sagrado há – Direitos humanos fundamentais). Tal como é uma anedota o estabelecimento imperativo, de uma moldura temporal para a prática liberalizada do aborto…
Até lá.
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